quinta-feira, maio 29, 2003

 
Desamor.
É pedir licença pra entrar na prória casa, é ganhar crachá de visitante pra entrar na própria empresa, é não poder tirar os sapatos e nem nem repetir o pudim. É ter que terminar o prato de arroz, ainda que não tenha mais fome, é beber água sem gelo ainda que esteja calor, porque é o que tem e de outra maneira morreríamos de sede. Ou então é morrer de sede mesmo assim.
É um buraco que se abre fundo diante de seus pés, é uma noite que não acorda nunca, mas que também não adormece. É uma tentativa de acertar que sabe-se errada, uma hora desesperada que sabe-se imprópria, uma guerra que sabe-se perdida.
É um tempo que não passa enquanto esperamos um ônibus que não vem. É uma estaca nos nossos pés, que não nos deixa mover, atravessar a rua, pegar um metrô, ou caminhar. É esperar o ônibus, como se ele viesse, achando que aquele ali vermelho e branco pode ser, sabendo-se que não será. É uma esperança teimosa, cega e surda essa coisa de amor. Queria eu, que ela fosse também muda, Mas não é. Porque grita.

Ana

quinta-feira, maio 15, 2003

 
Uma mulher é uma mulher ainda que.
Palavras e formas não comportem o conteúdo.

Uma mulher pode ser um jeito.
Uma costela ou um defeito.
Uma mulher transborda pelos cantos.
Enche medidas.
Contorna o desafino.
Toca punheta e toca sino.

Uma mulher pode ser um grito
Uma barriga
Um precipício.

Uma mulher pode ser um abismo ou um porto.
E pode ser os dois.
E é.

Maria Rezende

quarta-feira, maio 14, 2003

 
Reinvenção

A vida só é possível
reinventada

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! Tudo bolhas
que vêm de fundas piscinas
de ilusionismo... mais nada

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços
Projeto-me por espaços
cheios da tua figura
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura

Não te encontro, não te alcanço...
Só, no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva
Só, na treva,
fico: recebida e dada

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada

Cecília Meireles

 
Ser mulher...

Nasci mulher, é fato
Gameta indiscutível,
Cometa irremediável,
Soneto jamais escrito.

Cresci menina, concordo,
De pernas cruzadas,
Cabelos alinhados,
Pelos depilados.

Vivi madura, é certo.
Aprendi a traçar os olhos,
A disfarçar as lágrimas,
A não borrar a maquiagem.

Sonhei criança, feliz.
Escrevi meus passos,
Acreditei nos planos,
Colhi meus frutos.

Provoquei emoções, faz parte.
Ensinei meus truques,
Repiquei batuques,
Batalhei com arte.

Briguei na vida, gritei.
Enfoquei os problemas,
Resolvi os teoremas,
Me entreguei a poemas.

Quebrei espelhos, de raiva.
Escondi a dor,
Distribuí amor,
Superei o tempo.

Amei demais, está em mim.
Mulher sem amor não existe.
Atraí desejos, por capricho,
Ou não, por pura paixão.

Caminhei e caí, me ergui.
E não pretendo mudar.
Arregacei as mangas tantas vezes,
Que já nem sei desenrolar.

Mas...quer saber?
É uma delícia ser mulher!
Não troco por nada, por ninguém.
Volto assim mil vezes, se puder.

E quando o véu da noite,
De inveja e despeito me levar,
Que o amor que distribuí,
Os frutos que plantei, venham, enfim, me regar.

Lílian Maial

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