sexta-feira, janeiro 31, 2003

 
Meu corpo teu ninho

A simples lembrança dos teus dedos na minha nuca me arrepiam
Teu cheiro me habita a alma e meu peito, arfante, te recebe.
Me abraça, vem dormir comigo
Me ajuda a apagar do peito aquela dor do querer.
A noite se instala em mim.
Lá fora, apenas o silêncio da noite do teu olhar.

Vem.
Ocupa com teu corpo esse abrigo que te chama.
Volta a ser minha morada, teu abrigo
Faz de mim tua caverna, teu porto seguro.
Faz do meu corpo teu ninho.

Atordoada pelas saudades crescentes,
meu corpo todo se ouriça à tua procura.

Léa Waider

sexta-feira, janeiro 10, 2003

 
tem palavra
que não é de dizer
nem por bem
nem por mal
tem palavra
que não é de comer
que não dá pra viver
com ela
tem palavra
que não se conta
nem prum animal
tem palavra
louca pra ser dita
feia bonita
e não se fala
tem palavra
pra quem não cala
pra quem tem palavra
tem palavra
que a gente tem
e na hora H
falta

Alice Ruiz

 
Sim, todos... todos os poemas do mundo para dizer em lindos versos o que eu penso, sinto, preciso...

 
Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua de estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.
Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.
Que este amor só me veja de partida.

Hilda Hilst

 
quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como seu eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil face num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante

Paulo Leminski

 
quando chove,
eu chovo,
faz sol,
eu faço,
de noite,
anoiteço,
tem deus,
eu rezo,
não tem,
esqueço,
chove de novo,
de novo, chovo,
assobio no vento,
daqui me vejo,
lá vou eu,
gesto no movimento

Paulo Leminski

segunda-feira, janeiro 06, 2003

 
"Eu sei do que preciso.
Avisto, ao longe, o caminho certo.
Não peço a Deus, que me faça feliz.
Peço sim, com força, que Deus me faça valente.
Não é necessário que me trace um caminho bonito. Eu sei que o caminho está lá.
É necessário, que nos meus pés haja força pra alcançá-lo.
Não Deus, não carece de plantas, ou de beleza, a vida. Mas eu preciso de olhos mais fortes pra olhar.
E que tudo o que está continue. É o que peço. Que o mundo mantenha-se belo.
Só o que não deve manter-se, eu suplico, é a gente. Toda a gente, trancada na sua paralisia suicida.
Meus músculos, Deus, faça-os fortes. As vértebras, os ligamentos, ordene que se movam pra frente.
O caminho está ali, vasto. Porque não o sigo?
Que força é essa que impede meu pescoço de torce-se para olhar?
Se posso andar, Deus, faça com que eu caminhe…
Destranque, por fim, minhas amarras, meus laços, meus lenços,
todos os tampões que me fazem surdo.
Todas as mordaças que me fazem mudo."

 
"E se alguém me amasse?
Se alguém, de repente, chegasse
E, vendo-me, reconhecesse
A chuva, a terra e o sal que buscasse?

Entre o temor e o sobressalto,
Talvez fugisse,
Talvez risse, talvez cantasse,
Na incerteza e no medo
De entregar-se."

Maria José de Queiroz

 
QUANDO EU SONHAVA

Quando eu sonhava, era assim
Que nos meus sonhos a via;
E era assim que me fugia,
Apenas eu despertava,
Essa imagem fugidia
Que nunca pude alcançar.

Agora, que estou desperto,
Agora a vejo fixar...
Para quê?- Quando era vaga,
Uma ideia, um pensamento,
Um raio de estrela incerto,
No imenso firmamento,
Uma quimera, um vão sonho,
Eu sonhava - mas vivia:
Prazer não sabia o que era,
Mas dor, não na conhecia...

Almeida Garrett

 
TEMPLO DO UNIVERSO

Do meu olhar te converteste em templo,
Te tornando tão enorme com o tempo
Que, só meus olhos,
Já não podem contemplar...

Percorro, então, teu universo,
Explorando mundos,
Descobrindo galáxias,
Me perdendo em nebulosas...
No teu cosmo explodem super-novas -
Novas estrelas
No teu céu a pesquisar...

A cada dia um novo sonho,
Um segredo,
Uma revelação...
E por mais que eu pense em fugir,
Nada mais em ti buscar,
O infinito ressurge:
Só a eternidade
Para poder te desvendar.

Marco Aurélio M. Ferreira

 
E alegre se fez triste

Aquela clara madrugada que
viu lágrimas correrem no teu rosto
e alegre se fez triste como se
chovesse de repente em pleno Agosto.

Ela só viu meus dedos nos teus dedos
meu nome no teu nome. E demorados
viu nossos olhos juntos nos segredos
que em silêncio dissemos separados.

A clara madrugada em que parti.
Só ela viu teu rosto olhando a estrada
por onde um automóvel se afastava.

E viu que a pátria estava toda em ti.
E ouviu dizer-me adeus: essa palavra
que fez tão triste a clara madrugada.

Manuel Alegre

 
Intimidade

Que ninguém hoje me diga nada.
Que ninguém venha abrir a minha mágoa,
esta dor sem nome
que eu desconheço donde vem
e o que me diz.
É mágoa.
Talvez seja um começo de amor.
Talvez, de novo, a dor e a euforia de ter vindo ao mundo.

Pode ser tudo isso, ou nada disso.
Mas não afirmo.
As palavras viriam revelar-me tudo.
E eu prefiro esta angústia de não saber de quê.

Fernando Namora

 
Realidade

Em ti o meu olhar fez-se alvorada
E a minha voz fez-se gorjeio de ninho...
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho...

Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada...
E a minha cabeleira desatada
Pôs a teus pés a sombra de um caminho...

Minhas pálpebras são cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci...

Tens sido vida fora o meu desejo
E agora, que te falo, que te vejo,
Não sei se te encontrei... se te perdi...

Florbela Espanca

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